Dr. Onofre.
Uma noite dessas do Rio, em que às duas da manhã ainda faz 31º, e não há a menor chance de ficar trancado em casa sem ar-condicionado, resolvi esticar a conversa num bar do Leblon. A ideia não era de todos brilhante, já que nenhum deles é capaz de oferecer mesa ou ar-condicionado descente, mas com um pouco de gim e de boa-vontade tudo se acertou.
Apesar dos pesares a noite ia bem, até que a conversa chegou no assunto onipresente há dez dias: "Enchentes da Serra". Ok, antes de repetir o erro que cometi no bar, devo deixar claro que me solidarizei com as perdas, doei leite em pó, vela, roupa velha, absorvente, roupa de cama, tempo e tudo mais que pude, mas simplesmente não aguento mais ouvir sobre isso.
Tentei convencer, sem sucesso, um grupo de pessoas de que o desastre não é a única coisa importante que se passa nessa semana, e que é um verdadeiro absurdo dedicar 100% do noticiário a isso. Parece que a vida se resume à enchente, e que ninguém mais dá bola para a inflação galopante, a reunião do COPOM, o jogo do Flamengo, ou o encontro do Obama com aquele chinezinho lá.
Todos foram irredutíveis, ninguém conseguiu entender que qualquer dos assuntos acima tem muito mais chance de mudar nossas vidinhas do que o resgate da mulher gorda que perde o cachorro, do que a história do pai que alimentou o filho bebê como um pássaro, ou do que o vídeo do prefeito chorando. Não que o desastre não seja uma notícia importantíssima, ou que eu ignore o sofrimento, mas noticiar a vida de cada um dos desabrigados extrapola muito a função de informar da TV.
Mesmo com toda minha retórica, não consegui escapar da elegância peculiar a jovens bêbados, fui trucidado vivo e servido à francesa. Já me dava totalmente por vencido quando chegou a conta, e um dos amigos entendeu, finalmente, meus argumentos ao deparar-se com o preço da picanha na chapa.
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